A MÚSICA COMO CENTRO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Conheça iniciativas de RJ, DF e PE que colocam a produção musical num espaço especial, pensado para promovê-la a ponta de lança da arte e da geração de riquezas
Por Kamille Viola, do Rio
Em tempos de crise, a cultura é um dos primeiros setores a sofrer cortes. Apesar disso, as políticas públicas voltadas para a área — ou que a contemplem — são uma das formas de viabilizar gravações de discos, turnês e até intercâmbios. Além da famigerada (e, hoje, às vezes injustamente criticada) Lei Rouanet, que é federal, existem diversos mecanismos em diversos estados e cidades do país. Procurar saber quais os da sua região pode ser uma forma de finalmente poder dar vida a seu trabalho.
No Estado do Rio de Janeiro, o programa Música.RJ inclui iniciativas como o Programa de Apoio aos Palcos de Música, que deu origem à rede Palcos do Rio e ao evento Rio Music Week (que está aprovado para captar R$ 1,5 milhão pela Lei Rouanet). O Sebrae assumiu recentemente essa rede e estratégias de desenvolvimento. Outra iniciativa é o projeto Sons do Rio, que consiste em playlists em parceria com a Deezer. Com uma comissão de seleção, estão sendo criadas playlists para os 92 municípios do Rio de Janeiro. Já foram lançadas do Rio, Niterói e Volta Redonda.
“A gente recebeu mais de mil músicas em 15 dias. A ideia é que cada um dos 92 municípios tenha sua playlist oficial com artistas da cidade. Assim você vai mapeando a produção contemporânea, e a própria plataforma vai escolhendo artistas dali para que façam parte de suas playlists. Isso acaba sendo também uma maneira de estimular os artistas a entenderem um pouco do processo deste momento digital da música. Muitos que se inscreveram não tinham faixas nas plataformas digitais, e aí tiveram que fazer o processo. Para eles, isso também foi interessante. Antigamente, a gente tinha festivais e concursos. Agora, você faz o processo digitalmente. A gente chegou a fazer uma edição com quatro artistas do Sons do Rio”, explica o Subsecretário-Adjunto de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, Leo Feijó. “O poder público tem como uma de suas missões equilibrar o mercado, senão você tem concentração do que é comercial, em vez de dar espaço também para o que é inovador. Acaba havendo uma certa imposição da indústria da música”, defende.
Entre 23 e 30 de novembro, a secretaria realizou a Rio Music Week, que ocupou diversos palcos do Rio com shows. Também criou uma plataforma digital de financiamento coletivo com foco nos palcos, reunindo artistas e público. Além disso, mantém a Escola de Música Villa-Lobos, que está presente em seis municípios do Rio de Janeiro, bem como espaços que igualmente abrigam a música, como a Sala Cecília Meireles, o Teatro Municipal e a Casa de Cultura Laura Alvim, entre outros. “A gente vem trabalhando também uma questão de reconhecimento da música como um setor de caráter estratégico no desenvolvimento econômico e cultural do Rio. Queremos posicionar o Rio como uma cidade da música, assim como outras são reconhecidas desta forma, por exemplo, na rede Music Cities. O Rio ainda não está valorizando todos os gêneros que nasceram aqui ou vieram para cá e se desenvolveram. A gente tem lugares como a Lapa, que tem potencial absurdo, que virou, por exemplo, um selo de referência no Japão, mas não aproveita isso”, lamenta Leo Feijó.
Por meio da Lei de Incentivo Estadual, que permite a renúncia fiscal de 80% do ICMS, patrocinaram-se diversos projetos de música. “A secretaria avalia se os projetos são adequados, porque não interfere na curadoria. A média dos valores anuais é de R$ 70 milhões em renúncia fiscal, o que não quer dizer que todo esse valor tenha sido utilizado pelos projetos do ano”, esclarece o subsecretário. “Por exemplo: o governo patrocinou o Rio2C (eventos de audiovisual, música e inovação que estreou em 2018 no Rio). Levamos dez artistas para fazer pitching, e, não por acaso, dois foram selecionados para participar do próximo Rock in Rio: Canto Cego e Jonathan Ferr. Fazemos um trabalho de articulação constante”, conta.
Outro dos destaques em termos de políticas públicas é o Distrito Federal. Com um fundo de apoio à cultura desde os anos 90, essa unidade da federação realiza editais de fomento a fundo perdido em todas as linguagens, incluindo música. Mas, nos últimos anos, avançou muito nas políticas que beneficiam o segmento da música. Em 2016, foi criado o programa Conexão Cultura DF, que permite, durante o ano inteiro, a solicitação de recursos para circulação nacional e internacional, além da participação em mercados e feiras.
“A gente tem um edital estratégico em que faz delegações e showcases para participação em mercados nacionais e internacionais. Já fizemos Womex (World Music Expo, que acontece anualmente em diferentes lugares da Europa), Midem, AME, SIM São Paulo, Música Mundo, Circulart (mercado de música latinoamericana realizado em Medellín, na Colômbia)… Ano que vem, teremos nossa primeira delegação no SXSW (South by Southwest, festival de cinema, música e tecnologia que acontece em Austin, Texas, nos Estados Unidos)”, comenta a subsecretária de Promoção e Difusão Cultural do Distrito Federal, Daniela Diniz. “Esse programa também permite que a pessoa faça estudos, tanto stricto sensu (mestrado e doutorado) ou lato sensu de produção de música, crítica, teoria, faça intercâmbios com outros grupos músicos… Se você quer sair do DF, deve se inscrever no programa”, resume.
Outro programa que beneficia a música é o Território Criativo, de empreendedorismo e sustentabilidade. “A gente sabe que grande parte dos artistas se autoproduz e faz sua própria gestão de carreira. Muitas vezes, demora para a pessoa ter um produtor associado. No início de 2018, fizemos um programa de aceleração para vários segmentos da música: artistas, selos, festivais”, explica Daniela Diniz.
Também foi lançado um edital continuado de música — tradicionalmente, os editais de apoio são uma ou duas vezes por ano. “Os grupos podem solicitar bimestralmente apoios para gravação de disco, DVD em mídia física ou para lançamento online. Você tem uma linha em que pode solicitar recursos só para fazer ação promocional de lançamento, contratação de assessoria de imprensa, pagamento de mídia, valorização do produto”, descreve a subsecretária.
O Distrito Federal também apoia eventos por meio das leis de incentivo à cultura, que permite a renúncia fiscal do ISS e do ICMS. Além disso, a secretaria executa termos de fomento, uma modalidade de repasse de recursos por meio do marco regulatório das organizações da sociedade civil (MROSC). “A gente tem uma cena de festivais muito forte aqui no DF. Todos os que são de médio e grande porte têm apoio da secretaria. Porão do Rock, Favela Sounds, Coma, Yo! Music, Picnick, todos têm apoio nosso”, enumera Daniela Diniz.
Um dos estados mais famosos por sua música no país, Pernambuco lançou em dezembro de 2016 o primeiro edital do Funcultura (Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura) específico para a área de música no estado. Até então, o segmento era contemplado no edital Funcultura Geral. O edital 2017/2018, o segundo a ser lançado, destinou R$ 4,5 milhões a 58 projetos, distribuídos em três áreas culturais: 48 em fruição (desenvolvimento), dois em pesquisa, e oito em formação e capacitação.
Entre as realizações da secretaria, está o o Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), que acontece há 28 anos, sempre em julho, no Agreste do estado. Feito exclusivamente com recurso públicos, ele tem grande destaque para a música. Ela também mantém espaços como o Teatro Arraial Ariano Suassuna e a Torre Malakoff, que também recebem shows.
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Edital da Petrobras é aberto
Não exatamente como política estatal, mas sem dúvida como política nacional de fomento à cultural, a Petrobras é uma das principais patrocinadoras das artes. Este mês, a petroleira abriu uma chamada para projetos de música. O Programa Petrobras Cultural vai investir até R$ 10 milhões nas iniciativas selecionadas. Serão contemplados projetos em três segmentos: o primeiro destinado a estimular a circulação de shows, o segundo para fomentar a organização de festivais e o terceiro para viabilizar a criação de projetos de inovação que tragam novos formatos e tecnologias. O prazo para as candidaturas vai até 4 de janeiro, e a divulgação dos contemplados será em 28 de fevereiro.
Os projetos para a circulação de shows são divididos em dois formatos. Um deles é voltado para novos talentos e patrocinará turnês que levem ao menos quatro shows a pelo menos três estados diferentes, com patrocínio de R$ 350 mil. Já o Grande Circuito vai patrocinar projetos que custem entre R$ 350 mil e R$ 1 milhão e prevê um mínimo de sete apresentações em quatro estados diferentes. Os festivais também estão divididos em duas categorias: até R$ 600 mil, com a realização de duas edições, e até R$ 1,2 milhão, para eventos que já tenham acontecido ao menos uma vez.